terça-feira, 7 de abril de 2009

Que Sera, Sera

James Stewart não é Cary Grant – e era isto o que mais incomodava Alfred Hitchcock no astro com quem trabalhou em quatro filmes (Grant foi protagonista de outros quatro). Hitchcock é famoso por desprezar o trabalho de atores, exceto o de Grant, o único a quem ele respeitava. Mas isso é outra história...
“O Home que Sabia Demais” (“The Man Who Knew Too Much”, EUA, 1956) é a penúltima parceria entre Stewart e o diretor inglês – a última foi “Um Corpo Que Cai” (“Vertigo”, EUA, 1958), tendo Hitchcock culpado seu ator não-favorito pelo fracasso do filme à época. Quer aqueles dois homens se gostassem ou não, assistir a qualquer um desses filmes é um prazer enorme para quem compreende a beleza da decupagem na construção da narrativa.
Decupar é dividir a ação em planos (quadros fixos na tela) e eu acredito, cada vez mais, que está aí a arte de um grande diretor. Hitchcock, provavelmente, pensava da mesma maneira. Não se tem notícia de um profissional tão metódico em relação ao processo de decupar filmes: ele tinha o hábito de recorrer aos storyboards e possuía uma imagem mental de todas as cenas. Para ele, o trabalho de criação acabava na divisão do roteiro em planos, não havendo espaço para a improvisação no set de filmagem. Por isso, via os atores como peças equivalentes às demais do cenário, que ocupavam uma posição pré-estabelecida dentro do quadro.
O filme de 1956 é mais um exemplo das virtudes que eternizaram Hitchcock: um suspense refinado, saído de uma mente hábil em despertar as sensações do público. Sim, tudo isso graças a uma decupagem que merece ser admirada como uma obra, dessas de um museu de arte clássica, e de outros elementos acessórios. Fazer uma análise minimamente adequada do filme tomaria um tempo que eu não tenho, e um excesso de caracteres que vocês não teriam paciência de ler num blog. Portanto, cito apenas três momentos que exemplificam o que quero dizer.
No primeiro deles, James Stewart caminha numa rua vazia. Para aguçar no espectador a mesma sensação do personagem – a dúvida de estar ou não sendo seguido – Hitchcock utiliza o espaço fora de tela, mantendo a câmera fechada em Stewart, enquanto ouvimos o som de passos no fundo. Num segundo momento, na sala do taxonomista, uma conversa entre Stewart e o personagem Ambrose Chappell é filmada em plano e contra-plano. A câmera é colocada num ângulo baixo em relação a Stewart (se não me engano), que divide o quadro com a cabeça de um animal feroz (não me lembro exatamente qual é). Isto remete à sua postura de ataque naquela cena, quando tenta reaver o filho raptado. Num terceiro momento, na Capela Ambrose, ele e a esposa (Doris Day) escondem-se dos raptores da criança. Eles se colocam fora do campo de visão do espectador, que não é o mesmo dos personagens de quem eles não querem estar à vista. Uma brincadeira de Hithcock com a nossa percepção.
Dos “elementos acessórios”, a imponente trilha de Bernard Herrmann é o mais importante. Durante uma sequência de 12 minutos não escutamos nenhuma palavra, apenas o som da orquestra no teatro (regida na tela pelo próprio Herrmann). É uma cena tensa, de um enorme poder dramático e de uma elegância indescritível. Hitchcock nos faz entender que o diálogo não ouvido entre os personagens é irrelevante ali, frente às ações decupadas e coordenadas pela montagem, conduzidas pela música.
O senso de humor do diretor é óbvio e quase sádico, sendo Stewart sua vítima preferencial: desde uma mesa baixa demais, onde não cabem suas pernas longas, até a sequencia na casa do taxonomista, com leões e tigres empalhados por todo o cenário, ridicularizando a súbita ferocidade do protagonista. É também nítido o fascínio do diretor pelas mulheres (loiras): a personagem de Doris Day é mais astuta e instintiva do que seu marido, e, sendo uma famosa ex-cantora, é a responsável pelo casal estar frequentemente em evidência. A música, novamente, e a mulher têm uma função dramática decisiva, quando Day canta “Que Sera, Sera” ao piano. Por tudo isto, assistir a um suspense de Hitchcock me faz pensar, afinal, que a controversa “teoria de autor” não é um total engano.
Isabella Goulart

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Dancing Queen

Dia desses escrevi para o Pílula Pop uma resenha sobre “Dúvida” (“Doubt”, John Patrick Shanley, EUA, 2008), filme pelo qual Meryl Streep recebeu uma quase inacreditável 15ª indicação ao Oscar. Quase - afinal, a moral da história, ou da minha resenha, é que valeria a pena assistir a Streep interpretando até mesmo “João e o Pé de Feijão”.
A idéia de "Mamma Mia!" (Phyllida Lloyd, EUA/ING/ALE, 2008) me parecia em si um bocado absurda: um musical baseado nas canções do Abba, tendo a natureza paradisíaca da Grécia como cenário e Meryl Streep, com seus quase sessenta anos de idade, cantando, dançando e fazendo piruetas. Pensar em Pierce Brosnan, Stellan Skarsgård e Colin Firth realizando a mesma proeza fazia a coisa parecer ainda mais incongruente. Nos primeiros minutos do filme, era exatamente nisso que eu pensava. À parte o sucesso de crítica e público, não via como aquela empreitada poderia funcionar. Vinte minutos depois, eu expressava uma inevitável reação: a vontade de pular do sofá e sair cantando "Dancing Queen".
"Mamma Mia!" é um filme delicioso, e não seria tanto se estivesse preso a fórmulas. Ao contrário, a iniciante diretora me parece de uma sensibilidade aguçada, observando o material que tem em mãos – a paisagem, os atores, as letras e o ritmo – e deixando que tudo aquilo que parecia não se encaixar se conecte quase que naturalmente. A cada cena o elenco se mostra mais confortável com a proposta do filme, assim como nós, espectadores. E os astros que eu imaginava não caberem numa comédia musical romântica se permitem o que é necessário a qualquer comédia elegante: ridicularizarem-se, sem perder a pose – ou mesmo perdendo, quando a arte pede (o auge disto é a cena dos créditos finais).
A protagonista Meryl Streep diverte-se nitidamente com o papel e, sim, acerta todas as nuances narrativas de um roteiro tão errático. É claro, há outras atrizes capazes de realizar um ângulo de quase 90 graus com a perna coreografando Abba (repito, ela está à beira de completar 60 anos) e interpretar “The Winner Takes It All” com a mesma força de um texto de Tennessee Williams (numa sucessão de enquadramentos quase exclusivamente fixos nela). Mas são poucas. O mérito da divertida brincadeira que é esse filme não é apenas da estrela. Sem a delicadeza e a sensibilidade de uma equipe inspirada não se provaria aqui algo simples, mas que nesses tempos em que a moda é amar a sétima arte e procurar sempre um je ne sais quois dentro dela, parece difícil enxergar: às vezes deve-se simplesmente levar o cinema menos a sério. Para mim, incialmente descrente nessa obra, só resta uma coisa a dizer:

"Mamma mia, here I go again
My my, how can I resist you?"
Isabella Goulart





Link para o texto sobre "Dúvida" no Pílula Pop:
http://www.pilulapop.com.br/receituario.php?id=939

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Tapa na cara.

Me preocupa o fuzuê que "Ele Não Está Tão A Fim De Você" (He’s Just Not That Into You, de Ken Kwapis, EUA 2009) tem causado, principalmente junto ao público feminino. Baseado em um Best Seller americano - nada mais do que um livro de auto-ajuda que promete às mulheres o tão esperado entendimento do comportamento masculino - o mesmo chegou aos cinemas com um time de estrelas de primeira grandeza da Hollywood atual, o que, junto com a narrativa melosa e engraçadinha, garante o sucesso de bilheteria. Jennifer Aniston, Ben Affleck, Drew Barrymore, Jennifer Connelly, Scarlett Johansson e a simpática Ginnifer Goodwin, entre outros, têm suas histórias de vida cruzadas, nas aventuras e desventuras de relacionamentos amorosos.
Tendo alguma noção sobre o assunto, uma vez que não passei os últimos quatro anos de minha vida estudando cálculos matemáticos ou fórmulas químicas, posso dizer com uma certa autoridade: Mulheres do meu Brasil, acalmem-se. Isso é SÓ um filme.
Filmes são filmes. Até os que recontam histórias verídicas continuam, indefinidamente, sendo filmes. São obras ficcionais, com fórmulas e facetas narrativas e visuais previamente pensadas para alcançarem um ou outro público, uma ou outra reação. E pra conseguir dinheiro, é claro. Afinal, Cinema, além de arte, é indústria e comércio também. Os personagens, por sua vez, não são pessoas reais. Em um roteiro, eles são construídos de forma que adotem arquétipos bastante específicos, e possam ser mais naturalmente apontados pelo público com personalidades fechadas e peculiares. Já disse isso aqui mesmo no blog, e repito: as pessoas, na vida real, são muito mais complexas do que isso.
Ele Não Está Tão A Fim De Você é pautado em explicações de por quê os homens fazem o que fazem. Porém, embora tudo acabe bem, uma vez que é uma comédia-romântica americana, ele se baseia em afirmações que podem ser interpretadas quase como uma Constituição pelas mentes mais desavisadas. Tudo bem que certas coisas não precisam de muita indagação: Se o cara não te liga é porque, realmente, ele não está a fim de te ligar. Se ele quiser te ligar, quiser te ver, te encontrar, ele vai dar um jeito. Não tem essa de trabalho demais, viagens a negócios aqui, compromissos profissionais ali. Muito menos a ladainha de “não estar pronto para um relacionamento sério” ou “estar com medo de se envolver.”. Sou uma pessoa que tem muitos amigos homens, e de algumas coisas eu simplesmente sei. Em primeiro lugar, homens não pensam como mulheres. Em segundo lugar, quando o cara está realmente a fim da mulher, ele faz acontecer. O tal do orgulho pode até retardar um pouco o processo, mas não o elimina de vez. A grande questão é que não é necessário um livro, ou muito menos um filme, para nos dizer isso. A vida se encarrega de nos ensinar. Se você que está lendo esse texto é mulher e ainda insiste em discutir com isso tudo, você só está se enganando e, mais cedo ou mais tarde, com um ou mil tapas da vida na cara, você vai aprender.
Porém, quando se trata de amor, carinho, paixão ou o nome que for, não existe lógica. Não se trata de aritmética, física quântica, ou muito menos um processo legal, no qual os argumentos são objetivos, retos, racionais. Em matérias do coração, muitas vezes a racionalidade vai por água abaixo, pois como amor não se explica, é comum termos que decidir pautado simplesmente no que sentimos. É subjetivo, irracional, conturbado. O que faz uma pessoa feliz é diferente do que faz a outra, e assim vai. Por isso, não comprem todas as idéias que o filme vende. Encarem-no como uma leve diversão, exatamente o que ele tem que ser – e é. Não pensem que ali estão grandes lições de vida, os segredos da alma masculina e, menos ainda, as regras e as exceções a elas. Não há exceções, simplesmente porque não há regras. O que vale, no fim das contas, é arriscar. E não perder as esperanças ou se deprimir com fórmulas pré-estabelecidas.

Mas ainda assim, não esperem plantadas ao lado do telefone, ou confiram suas caixas de e-mails várias vezes por dia se ele não te procurou. Partam pra outra se o cara começar a dar desculpas demais. Não há nada mais deprimente do que uma mulher que insiste em mentir pra si mesma.

No fim do dia, você vai perceber. Ele não está tão a fim de você.



Carolina Pavanelli